" ... uma democracia
que não tivesse nada a dizer sobre o emprego da técnica não
seria de forma alguma uma democracia." Pierre Lévy (1)
Pierre Lévy está chegando ao
Brasil e, para alegria nossa, dia 25 deste mês ele estará
em Porto Alegre. Lévy intitula-se a si mesmo “engenheiro do conhecimento”.
Esta simples expressão não nos dá a idéia do
alcance da obra deste pesquisador paradigmático.
Em primeiro lugar, conhecimento para Pierre
Lévy já tem uma conotação ampliada: abrange
muito mais do que informação, do que aprendizagens conscientes,
racionais e individuais. Esta postura está relacionada com uma atitude
científica que começa a tomar fôlego em nossos dias:
a da cognição como correspondendo à vida, a cognição
como invenção do mundo e de si mesmo. Neste sentido, a cognição
somente é passível na interação. Estas idéias
instigantes coincidem com as pesquisas de Humberto Maturana e Francisco
Varela em Biologia.
Calcado num novo paradigma que privilegia
o processo e a relação em detrimento da substância
e do estado, Pierre Lévy nos fornece os conceitos ferramentas para
pensarmos uma nova cultura: o "cyberspace", o espaço cibernético.
Lévy nos diz que o espaço cibernético traz consigo
uma verdadeira mutação antropológica que acarreta
alterações profundas na nossa maneira de pensar, de dar sentido
ao mundo, de nos relacionarmos uns com os outros, de organizar a sociedade
e assim por diante. Enfim, uma outra abordagem do conhecimento. Com isto,
percebemos também uma mutação epistemológica
em que há uma resposta para a relação sujeito/objeto
do conhecimento, questão esta não respondida pelo cartesianismo.
Aliás, o paradigma cartesiano nunca deu conta do conhecimento pelo
fato de que ignorou o sujeito. A modernidade é a morte do
sujeito em nome de uma racionalidade que nega todas as dimensões
humanas que não racionais. Lévy considera então,
que é preciso inventariar todo este conhecimento, tarefa urgente
para os epistemólogos.
O conhecimento da fisiologia da mente avança
em passos largos, como toda a Medicina. Aparentemente a Psicanálise
perde terreno para a Psiquiatria Biológica. Maturana, Varela e Lévy
mostram que esta aparência está na contra-mão da história.
Não se transmite conhecimento como quem copia um disquete - é
preciso que cada um refaça a experiência, re-crie o mundo
a partir de seus próprios olhares. Então cada analisando
(ele não é um “paciente”) deve repartir a responsabilidade
de sua análise na interação com seu analista. Análise
é, cada vez mais, uma auto-análise, ainda que assessorada
por alguém mais experiente, que já trilhou esses caminhos,
numa interface entre eu e o outro, que é eu-mesmo.
Um conceito muito interessante que Lévy
nos traz é o das "tecnologias da inteligência". Para ele,
diferentes tecnologias da inteligência têm se sucedido na História
da Humanidade e à cada uma delas correspondem mudanças profundas
na vida cotidiana e nas subjetividades. Assim foi com a época de
predominância da oralidade, em que o importante era “contar um conto
sem aumentar um ponto”, o que se tornou desnecessário depois de
inventada a escrita que mantinha o conto inalterado entre uma leitura e
outra. Com a informática mudam todos os paradigmas: as fotos já
não são mais testemunhas de um fato, pois podem ser alteradas,
suprimindo-se pessoas, incluindo outras, mudando o cenário, tanto
quanto textos, com extrema facilidade. Mudam-se costumes, e até
leis (de direitos autorais, por exemplo) precisam ser repensadas. Não
podemos deixar pois, de prestar atenção ao que está
acontecendo neste mundo em que a informática potencializa
inteligências, instituições, sistemas cognitivos, podendo
ser criada com isso uma ordem mais justa nesta humanidade que tanto têm
sofrido com os mecanismos cada vez mais refinados de exclusão.
A Internet possui um potencial incrível de democratização
do conhecimento uma vez que é uma rede sem centro, onde cada um
de nós é um nó. Teoricamente cada homem ou cada mulher
pode acessar qualquer banco de dados. Rompe-se então o esquema poder/conhecimento.
A partir daí podemos chegar a um
conceito muito instigante que é o conceito de rede. Há
uma tendência nas pesquisas científicas atuais de trabalhar
com o conceito rede. Parece ser o modelo de tudo o que é vivo, estendendo-se
até muito além desta. Assim, o modelo rede se aplicaria desde
as redes neurais até aos computadores, do sistema imunológico
ao sistema ambiental e assim por diante.
O que consideramos mais importante na obra
de Pierre Lévy é a possibilidade de apropriação
do fenômeno técnico de forma emancipatória. E usando-se
a metáfora rede como uma metáfora de vida podemos dizer que
sem rede, sem a solidariedade que ela implica, dificilmente a humanidade
sobreviverá ao próximo milênio.
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* Doutora em Educação.
Presidente da REDE- ONG do Novo Mundo do Trabalho.
** Médico
Psicanalista
Obs.: Ambos os autores são
os organizadores da obra "Psicanálise, uma Revolução
do Olhar", (http://portoweb.com.br/pessoal/olhar)
da Ed. Vozes
(1) Entrevista
de Pierre Lévy no livro “Limiares do Contemporâneo” de organizado
por Rogerio da Costa. São Paulo ,Escuta, 1993.